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Execução ágil e segura: O que muda com o provimento 196/25 do CNJ


O provimento 196/25 do CNJ inaugura a execução extrajudicial da cláusula fiduciária sobre bens móveis, fortalecendo a desjudicialização com garantias e rigor procedimental.

Busca e apreensão extrajudicial de bens móveis: O alcance normativo do provimento 196/25

1. Introdução

A busca e apreensão extrajudicial de bens móveis, autorizada pelo art. 7º-A do decreto-lei 911/1969 e incorporada pela lei 14.711/23 (Marco Legal das Garantias), inaugurou uma nova fronteira no processo de desjudicialização executiva no Brasil. A formalização desta prática por meio de notificação, averbação e registro junto ao RTD - Registro de Títulos e Documentos exigia, no entanto, uma regulamentação clara e uniforme que orientasse sua operacionalização e garantisse segurança jurídica tanto ao credor quanto ao devedor.

É nesse contexto que se insere o provimento 196/25 da CNJ, norma que disciplina minuciosamente o procedimento extrajudicial de busca e apreensão de bens móveis alienados fiduciariamente, conferindo forma, sequência e limites à atuação dos cartórios de RTD de todo o país. Trata-se de um provimento normativo com efeito vinculante nacional, que complementa e concretiza o novo arranjo jurídico-institucional da execução privada de garantias, ampliando o papel do extrajudicial na efetividade dos contratos e no descongestionamento do Judiciário.

Para além de sua natureza regulamentar, o provimento 196/25 constitui um instrumento de reorganização sistêmica do cumprimento das obrigações pactuadas sob cláusula de alienação fiduciária, realocando competências que tradicionalmente cabiam ao juízo cível para a via administrativa cartorial. Este artigo propõe-se a analisar criticamente a estrutura, os pressupostos e os impactos jurídicos do novo procedimento, observando seus reflexos na prática negocial, nos deveres dos oficiais do RTD e nas garantias do devedor fiduciante.

2. Fundamentos normativos e a legitimidade do procedimento extrajudicial

O provimento 196/25 da CNJ encontra respaldo em uma sequência normativa coerente que legitima a adoção da via extrajudicial para a busca e apreensão de bens móveis alienados fiduciariamente. Tal base se assenta sobre três pilares fundamentais: (i) a reforma legislativa promovida pela lei 14.711/23 (Marco Legal das Garantias), (ii) a previsão histórica do decreto-lei 911/1969 e (iii) a competência regulamentar do CNJ - Conselho Nacional de Justiça no âmbito da atividade notarial e registral.

O art. 7º-A do decreto-lei 911/1969, incluído pela lei 14.711/23, autorizou expressamente a execução extrajudicial da cláusula fiduciária por meio de procedimento não contencioso, desde que observados os requisitos legais e operacionais fixados em norma própria:

"Art. 7º-A. É facultado ao credor fiduciário, nas operações com cláusula de alienação fiduciária de bem móvel, requerer a busca e apreensão do bem por meio de procedimento extrajudicial, nos termos de regulamentação editada pela CNJ do Conselho Nacional de Justiça."

A delegação normativa explícita ao CNJ confere ao provimento editado natureza regulamentar secundária, de caráter vinculante e normativo para todos os registradores de títulos e documentos do país, conforme disposto no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal e nos arts. 8º e 9º do Regimento Interno do CNJ. Trata-se, pois, de norma infralegal, mas com força normativa suficiente para criar procedimento próprio no âmbito da execução não contenciosa de garantias móveis.

Ademais, a regulamentação encontra respaldo também no princípio da desjudicialização da execução, amplamente promovido pelo Marco Legal das Garantias. A intenção manifesta do legislador, ao conferir essa atribuição ao CNJ, é permitir a migração de parte dos procedimentos executivos de natureza privada para o sistema extrajudicial - especialmente quando a pretensão do credor se fundar em cláusula contratual expressa e houver documentação suficiente para caracterizar o inadimplemento e a mora do devedor fiduciante.

O provimento, ao incorporar a sistemática extrajudicial de busca e apreensão aos atos praticados no âmbito dos cartórios de RTD, atua como norma de integração operacional, vinculando os delegatários ao dever de recepcionar, verificar, notificar e, se necessário, averbar os atos de busca e apreensão, nos termos do contrato, da lei e da boa-fé objetiva.

É importante frisar que o procedimento não suprime a via judicial - que permanece disponível ao credor fiduciário, caso opte por ela -, tampouco limita os direitos do devedor. A extrajudicialização surge como faculdade procedimental, não como imposição, preservando o equilíbrio contratual e o devido processo legal material.

3. Procedimento regulamentado e deveres do Registro de Títulos e Documentos

O provimento 196/25 introduz no sistema extrajudicial brasileiro um procedimento inédito e sistematizado para a execução privada da garantia fiduciária sobre bens móveis, delegando ao RTD - Registro de Títulos e Documentos a centralidade na formalização e controle dos atos, desde o protocolo até a certificação final. A normativa inseriu no Código Nacional de Normas - Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra) os arts. 397-C a 397-AM, que disciplinam cada etapa do procedimento.

3.1 Requisitos para a instauração do procedimento

O procedimento tem início com o requerimento do credor fiduciário ao RTD da comarca do domicílio do devedor, instruído com os seguintes elementos obrigatórios (art. 397-D, caput):

  • Instrumento de alienação fiduciária com cláusula expressa de busca e apreensão extrajudicial;
  • Planilha atualizada do débito, com memória de cálculo;
  • Prova da mora, nos termos do §2º do art. 2º do decreto-lei 911/1969;
  • Certidão de matrícula do bem, se for o caso;
  • Documentação de identificação das partes.
Cabe ao RTD verificar formalmente a suficiência da documentação apresentada, inclusive quanto à prova inequívoca da mora, sendo vedada qualquer análise de mérito ou conteúdo jurídico do negócio subjacente (art. 397-G).

3.2 Notificação do devedor e purgação da mora

Verificada a regularidade do requerimento, o RTD expedirá notificação ao devedor fiduciante, concedendo-lhe o prazo de 20 dias para purgar a mora ou apresentar oposição fundamentada (art. 397-H). A notificação pode ser realizada:
  1. Pessoalmente (com AR);
  2. Por oficial de registro ou de justiça;
  3. Por meio eletrônico, se houver consentimento;
  4. Via postal com comprovação de recebimento.
O devedor poderá, nesse prazo, quitar integralmente a dívida ou apresentar justificativas documentadas que demonstrem a inexigibilidade da obrigação. Não se trata de procedimento inquisitivo: o oficial do RTD não julga a defesa, mas apenas registra sua existência e analisa se há elementos formais suficientes para a suspensão do curso do procedimento.

3.3 Averbação da busca e apreensão e expedição da certidão

Decorrido o prazo sem pagamento ou oposição idônea, o registrador certificará o inadimplemento e a regularidade procedimental, expedindo certidão específica que confere ao credor o direito à busca e apreensão física do bem, podendo ser utilizada perante autoridade policial ou empresa especializada (art. 397-K). A certidão conterá:
  • Indicação do bem e das partes;
  • Comprovação de mora;
  • Declaração de esgotamento da fase de notificação;
  • Referência expressa à cláusula contratual de execução extrajudicial.
Essa certidão tem natureza de ato público extrajudicial de executoriedade formal, embora sem equivalência direta a um mandado judicial. Seu uso dependerá da colaboração dos órgãos competentes e do respeito às garantias legais do devedor.

3.4 Encerramento, purgação posterior e reapreciação

O procedimento poderá ser encerrado de forma definitiva:
  • Pela quitação integral da dívida;
  • Pela devolução voluntária do bem;
  • Pela oposição fundamentada aceita pelo registrador quanto à ausência de pressupostos formais;
  • Pelo esgotamento do prazo legal sem purgação, com expedição da certidão.
O provimento ainda prevê a possibilidade de reversão da busca, com devolução do bem e restituição proporcional do valor pago, caso o devedor purgue a mora em até cinco dias após a apreensão (art. 397-L).

A estrutura procedimental proposta, embora formalmente simples, exige do RTD precisão técnica, imparcialidade procedimental e rigor formal, pois assume funções que até então eram exclusivas do Judiciário - ainda que sem análise de mérito ou força coativa própria.

4. Direitos do devedor fiduciante e garantias do contraditório na execução extrajudicial

Apesar de se tratar de um procedimento não contencioso e formalmente administrativo, o modelo de busca e apreensão extrajudicial instituído pelo provimento 196/25 contempla salvaguardas mínimas ao devedor fiduciante, em atenção aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da boa-fé objetiva nas relações obrigacionais.

4.1 Direito à notificação prévia e purgação da mora

O primeiro eixo de proteção reside na necessária notificação prévia do devedor, com prazo de 20 dias para purgação da mora (art. 397-H). Essa notificação deve ser inequívoca, pessoal ou com comprovada ciência, assegurando que o fiduciante tenha pleno conhecimento do débito apontado e da iminência da apreensão do bem. A entrega da notificação sem vício é condição de validade para os atos subsequentes.

A purgação da mora nesse prazo suspende imediatamente a continuidade do procedimento, sendo obrigação do RTD certificar o pagamento e determinar o arquivamento do requerimento.

4.2 Direito à apresentação de oposição fundamentada

O devedor pode, também, apresentar defesa formal contra a pretensão do credor, desde que fundamentada e acompanhada de documentação idônea. A atuação do RTD, nesse ponto, é estritamente formal: não se permite juízo de valor quanto ao conteúdo da oposição, mas apenas a verificação de sua regularidade e consistência documental. Havendo dúvida fundada, o procedimento deve ser suspenso e remetido ao juízo competente (art. 397-I, §2º).

Essa disposição preserva o acesso à via judicial como garantia subsidiária, evitando que o procedimento extrajudicial seja utilizado como instrumento de coação ilegítima ou supressão de direitos materiais discutíveis.

4.3 Devolução voluntária e reversão pós-apreensão

A norma também estimula a entrega voluntária do bem como forma de encerramento do procedimento, conferindo ao devedor a possibilidade de evitar o agravamento da dívida e custos adicionais. Mais ainda, o provimento assegura o direito à purgação da mora mesmo após a apreensão do bem, desde que realizada em até cinco dias úteis após a data da apreensão, hipótese em que o bem deverá ser restituído ao fiduciante (art. 397-L, §1º).

Esse mecanismo visa coibir práticas abusivas e equilibrar o poder negocial entre as partes, sobretudo em relações assimétricas, como ocorre com frequência nas operações de crédito ao consumo ou de leasing.

4.4 Devolução de valores excedentes

Outra garantia inserida no texto normativo é a obrigação de o credor restituir ao devedor qualquer valor excedente eventualmente obtido com a alienação do bem apreendido, após a dedução do crédito e dos custos do procedimento (art. 397-L, §3º). Trata-se de cláusula de justiça contratual, refletindo os princípios do enriquecimento sem causa e da função social do contrato.

5. Repercussões econômicas, operacionais e institucionais da medida

A regulamentação da busca e apreensão extrajudicial de bens móveis pelo provimento 196/25 projeta efeitos relevantes e interdependentes em três esferas: no mercado de crédito, na estrutura funcional dos cartórios de RTD e na racionalização do sistema de justiça. Trata-se de medida normativa que, ao mesmo tempo em que desjudicializa a execução privada, realoca responsabilidades operacionais e redistribui fluxos processuais, com impactos ainda em processo de mensuração.

5.1 Redução de custos e incentivo à concessão de crédito

Ao permitir que o credor recupere o bem objeto da alienação fiduciária por meio de um procedimento administrativo simples, menos oneroso e mais célere, o provimento introduz maior previsibilidade na relação garantidora, sobretudo em mercados de bens duráveis e veículos. Tal previsibilidade reduz o risco jurídico percebido pelas instituições financeiras, permitindo maior flexibilidade na concessão de crédito e potencialmente influenciando a redução dos spreads bancários, especialmente em segmentos de maior inadimplência.

Esse aspecto está alinhado aos objetivos do Marco Legal das Garantias, que visa aumentar a eficiência da execução e fomentar a circulação de ativos como instrumentos de crédito, sem, no entanto, comprometer a segurança jurídica dos devedores.

5.2 Descongestionamento do Judiciário

A previsão legal da via extrajudicial como alternativa - e não como imposição - à judicialização da execução é um instrumento de desoneração do Poder Judiciário. A tendência é de migração paulatina de milhares de ações de busca e apreensão para a esfera administrativa, especialmente nos grandes centros urbanos e nos contratos massificados.

Esse movimento é virtuoso na perspectiva institucional: permite ao Judiciário concentrar esforços em demandas complexas e litigiosas, ao passo que entrega à via extrajudicial o tratamento de obrigações líquidas, certas, vencidas e documentalmente comprovadas.

5.3 Reorganização estrutural dos cartórios de RTD

A introdução desse novo procedimento impõe aos cartórios de Registro de Títulos e Documentos a necessidade de revisão de fluxos internos, capacitação de pessoal, adequação tecnológica e reorganização institucional. O oficial do RTD assume, com o provimento 196/25, uma função executiva inédita: não apenas registra, mas verifica requisitos, controla prazos, certifica a mora e expede certidões com efeitos externos relevantes.

Essa nova atribuição exige que os cartórios estejam preparados para atuar com imparcialidade, rigor técnico e observância estrita da legalidade formal, sob pena de responsabilização funcional e risco de invalidação dos atos praticados. A integração com o SERP (Sistema Eletrônico dos Registros Públicos), prevista para viabilizar notificações eletrônicas e intercâmbio de informações, será condição fundamental para a padronização nacional e a efetividade do procedimento.

O provimento 196/25, portanto, reconfigura a lógica de atuação cartorial, amplia o escopo da fé pública registral e reposiciona o extrajudicial como protagonista da execução patrimonial privada no Brasil contemporâneo. Resta, agora, acompanhar sua implementação prática, padronização técnica e acolhimento pelo mercado, fatores que serão decisivos para a consolidação desse novo paradigma.

6. Conclusão

O provimento 196/25 representa um marco normativo na consolidação do sistema extrajudicial brasileiro como espaço legítimo de execução patrimonial privada. Ao regulamentar, com precisão procedimental, a busca e apreensão extrajudicial de bens móveis, o CNJ viabiliza a efetividade da cláusula fiduciária sem a necessidade de intervenção judicial, desde que respeitados os requisitos legais e os direitos fundamentais do devedor.

Mais do que uma norma cartorial, trata-se de uma peça estrutural do novo arranjo institucional promovido pelo Marco Legal das Garantias, com efeitos que transcendem o plano registral: reposiciona o RTD como ator processual relevante, reforça a cultura da desjudicialização e inaugura um novo ciclo de protagonismo da fé pública nos mecanismos de cumprimento de obrigações.

Cabe, agora, à comunidade jurídica - especialmente aos registradores, credores e operadores do direito contratual - assumir o compromisso de aplicar esse instrumento com responsabilidade técnica, observância à legalidade estrita e zelo pelas garantias do fiduciante. O sucesso do modelo depende não apenas da letra do provimento, mas da maturidade do sistema em equilibrar agilidade e segurança jurídica no campo da execução privada.

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BRASIL. Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969. Dispõe sobre a alienação fiduciária em garantia de bens móveis e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 16 jun. 2025.

BRASIL. Lei nº 14.711, de 30 de outubro de 2023. Institui o Marco Legal das Garantias, altera a Lei nº 8.935/1994, o Decreto-Lei nº 911/1969, entre outras normas. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 16 jun. 2025.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Provimento nº 196, de 14 de junho de 2025. Regulamenta o procedimento de busca e apreensão extrajudicial de bens móveis com cláusula de alienação fiduciária, no âmbito do Registro de Títulos e Documentos. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br. Acesso em: 16 jun. 2025.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). CNJ regulamenta busca e apreensão extrajudicial de bens móveis. Publicado em 14 de junho de 2025. Disponível em: https://www.cnj.jus.br. Acesso em: 16 jun. 2025.

CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA. Código Nacional de Normas - Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra). Parte integrante dos Provimentos do CNJ. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/corregedoriacnj/normas/. Acesso em: 16 jun. 2025.

Fonte: Migalhas

 

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