Introdução
Quem compra um imóvel na planta ou por financiamento costuma firmar um contrato de promessa de compra e venda com parcelas mensais. Mas o que acontece se o comprador atrasa algumas prestações? A incorporadora pode cancelar o contrato automaticamente? Nem sempre. O STJ tem aplicado a teoria do adimplemento substancial para proteger o comprador que já pagou a maior parte do valor do contrato, evitando a rescisão por inadimplência considerada mínima.
O que diz a teoria do adimplemento substancial?
Essa teoria, prevista no enunciado 361 do CJF - Conselho da Justiça Federal, estabelece que, se o devedor já cumpriu a maior parte de suas obrigações, romper o contrato seria uma medida exagerada e desproporcional, ferindo princípios como a boa-fé objetiva e a função social do contrato.
Em outras palavras, o contrato deve ser preservado sempre que o descumprimento for reduzido, e o credor (nesse caso, a incorporadora) deve buscar medidas menos severas, como a cobrança judicial, antes de requerer a rescisão do negócio.
Silêncio da lei do distrato
A lei 13.786/18, conhecida como lei do distrato, regula os contratos de promessa de compra e venda de imóveis, mas não define critérios objetivos sobre o adimplemento substancial. Por isso, a análise tem sido feita com base na jurisprudência e no caso concreto.
O que diz o STJ?
O STJ entende que não basta analisar apenas o percentual do contrato já pago (critério quantitativo). É necessário avaliar também aspectos qualitativos, como:
Se o valor restante compromete o equilíbrio do contrato;
Se os interesses do credor foram atendidos;
Se a função do negócio foi cumprida;
Se houve boa-fé e diligência do devedor para quitar o saldo.
O tribunal rejeita a aplicação automática de percentuais fixos, pois isso poderia incentivar o uso indevido da teoriapor devedores que deixam de pagar as últimas parcelas de forma estratégica.
Base legal e jurisprudência
Além do enunciado 361 do CJF, o STJ possui decisões que analisam contratos com parcelas sucessivas e concluem que, quando a inadimplência representa até 20% do valor histórico do contrato, geralmente não se justifica a resolução contratual.
Impactos práticos para incorporadoras e compradores
Para incorporadoras, a teoria exige uma análise mais cautelosa antes de romper o contrato. Já para compradores, representa uma proteção jurídica relevante em casos de inadimplência pontual após o cumprimento substancial do contrato.
Exemplo prático
Imagine um comprador que adquiriu um imóvel de R$ 300 mil e já pagou R$ 270 mil. Faltando apenas R$ 30 mil (10%), ele enfrenta dificuldades e atrasa as últimas parcelas. Nessa situação, a rescisão pode ser considerada excessiva. O mais adequado seria a cobrança judicial do valor restante, mantendo o contrato em vigor.
Diretrizes práticas para incorporadoras
Avalie o percentual de inadimplência: Se for inferior a 20%, especialmente sobre o valor histórico (sem correção ou multas), a Justiça tende a rejeitar a rescisão.
Considere o impacto da inadimplência: Pequenos atrasos no fim do contrato, com baixo impacto econômico ou funcional, geralmente não justificam o rompimento.
Documente todas as etapas: Registre pagamentos, negociações e notificações. Isso é essencial para embasar futuras decisões e proteger juridicamente a incorporadora.
Conclusão
A teoria do adimplemento substancial reforça a importância da boa-fé e da proporcionalidade nas relações contratuais. Antes de buscar a rescisão de um contrato imobiliário por inadimplência, é essencial avaliar se houve, de fato, um descumprimento significativo da obrigação.
Empresários, incorporadoras e investidores devem agir com cautela e buscar orientação jurídica especializada
Antes de tomar decisões que possam ser judicialmente contestadas.